Publicado originalmente em 29 jun 2013
Trecho extraído do Livro “Perdas & Ganhos”, de Lya Luft, – Record
O homem estava pegando as chaves do carro (a mulher já tinha saído para levar as crianças à
escola), quando tocaram a campainha!
Vagamente irritado, pois já se atrasara bastante, ele abre a porta:
-Sim?
O rapaz, alto e estranho, andrógino, feio e belo, alto e baixo, negro e louro, faz um
sinalzinho dobrando o indicador:
-Vim buscar você.
Não era preciso explicar, o homem entendeu na hora: o Anjo da Morte estava ali, e não
havia como escapar. Mas, acostumado a negociações, mesmo perturbado ele rapidamente pensou
que era cedo, cedo demais, e tentou argumentar:
-Mas, como, o quê? Agora, assim sem aviso, sem nada? Nem um prazo decente?
O Anjo sorri, um sorriso bondoso e perverso, suspira e diz:
-Mas ninguém tem a originalidade de me receber com simpatia neste mundo, ninguém
nunca esta preparado? Está certo que você só tem 40 anos, mas mesmo os de 80 se recusam….
O homem agarrou mais firme a chave do carro, que afinal encontrara no bolso do paletó, e
insistiu:
-Vem cá, me dá uma chance.
O Anjo teve pena, aquele grandalhão estava realmente apavorado. Ah, os humanos…Então
teve um acesso de bondade e concedeu:
-Tudo bem. Eu te dou uma chance, se você me der três boas razões para não vir comigo
desta vez.
(Passava um brilho malicioso nos olhos azuis e negros daquele anjo?).
O homem aprumou-se, claro, ele sabia que ia dar certo, sempre fora bom negociador. Mas
quando abria a boca para começar sua ladainha de razões, muito mais do que três, ah sim, o Anjo
ergueu u, dedo imperioso:
-Espera aí. Três boas razões, mas…mas não vale dizer que seus negócios precisam ser
organizados, sua família não está garantida, sua mulher nem sabe assinar um cheque, seus filhos
nada sabem da realidade. O que interessa é você, você mesmo. Por que valeria a pena ainda te deixar
por aqui algum tempo?
Contaram-me esta fábula, que já narrei em outro livro, e nele quem abre a porta era uma
mulher. A objeção que o Anjo lhe fazia antes de ela começar a recitar seus motivos era:
“-Não vale dizer que é porque marido e filhos precisam de você…”
Essa história fala do quanto valemos para nós mesmos, do que realmente sentimos e
pensamos sobre nós.