Maiêutica e Liderança

By Dr. Paulo Gaudêncio

A metafísica se fundamenta numa concepção dualista do universo, estabelecendo uma oposição de valores entre duas esferas distintas da realidade ou do ser: de um lado, existe um domínio ideal, considerado como o verdadeiro mundo ou a realidade verdadeira, assim denominado por ser o plano das essências, isto é, aquilo que, em todo e qualquer fenômeno constitui sua pura forma ou conceito. Assim, por exemplo, a humanidade constitui a essência de cada ser humano particular, ou a triangularidade determina a natureza de toda e qualquer figura triangular que vemos ou traçamos. Todos os indivíduos humanos concretos são limitados e finitos, mas a humanidade é uma entidade intelectual, que em nada se altera em virtude da sucessão dos indivíduos singulares.

Tais formas puras, denominadas tecnicamente idéias por Platão, teriam sua origem na idéia do Bem – ou de Deus – que é a causa produtora de todas as outras idéias que são formas gerais do universo. Tais entidades são inacessíveis a nossos órgãos dos sentidos; e imutáveis, uma vez que não estão submetidas às leis do espaço e do tempo. Por serem as responsáveis pela realidade de todo real, foram tradicionalmente denominadas realidade inteligível, em contraposição a uma segunda ordem de realidade, a realidade aparente ou sensível, que é aquela de que temos experiência ordinária.

Contraposto às essências inteligíveis, o mundo sensível é tradicionalmente considerado um plano de realidade deficitária, enganosa, mera aparência ou simulacro das formas puras, que são como originais ou modelos dos quais toda realidade empírica, sensível, constitui uma cópia, necessariamente imperfeita e corruptível. É a essa realidade degradada, sujeita às condições do espaço e do tempo, que pertence nossa existência terrena e corporal.

Nossa alma ou espírito, nossa verdadeira essência e princípio inteligível, estaria como se prisioneira de nosso corpo, sendo por isso o erro e ao engano pelos sentidos, que nos arrastam para o plano das aparências, desviando-nos do que seria nossa verdadeira destinação: a contemplação das formas puras. Em virtude de nossa alma racional, imortal, somos aparentados com as puras idéias e participantes do mundo inteligível.

Todo conhecimento verdadeiro seria, pois, uma espécie de recordação do que outrora, antes do cativeiro de nossa alma pelo corpo e no mundo terrestre, contempláramos do verdadeiro e divino mundo das idéias. Um espírito, ou razão pura, e um bem em si (um bem ou valor cuja vigência é universal e necessária) constituem as referências metafísicas que dão sustentação tanto ao conhecimento científico quanto ás ações morais do ser humano no mundo.

Em outras palavras, a alma tem o conhecimento universal. Os órgãos dos sentidos não têm acesso a ela, “induzindo ao erro e ao engano, que nos arrastam ao plano das aparências”. Como “todo conhecimento seria uma espécie de recordação de antes do cativeiro”, educar é conseguir uma via de acesso a este universo aprisionado.

Daí a maiêutica, a arte da parteira.
Em Teeteto, de Platão, perguntam a Sócrates:

􏰀Afinal, qual a sua profissão?
􏰀 A mesma da minha mãe, responde ele. 􏰀Mas sua mãe é parteira.

􏰀Eu também! Eu sou parteiro de idéias. Tenho isso em comum com as parteiras: sou estéril de sabedoria; e aquilo que há anos muitos censuraram em mim, que interrogo os outros mas nunca respondo por mim, porque não tenho pensamentos sábios a expor, é censura justa. (Teeteto, 15c).

Sócrates passeava com os alunos na hora do ócio (de onde deriva a palavra Escola), sempre inquirindo, jamais ensinando o que julgava não saber.

Esta postura é fundamental em clínica. Não sou meu paciente, não sei o que ele sente. Isto é uma desvantagem. De outro lado, não sendo o outro, posso observá-lo e ver como ele age. Isto é uma vantagem, se eu, maieuticamente, ajudá-lo a acessar o que sente.

Esta postura é fundamental na empresa. Quem a conhece são seus membros, que a constituem, não o consultor. No meu trabalho, a postura maiêutica começa quando eu pergunto o que é coisificante e o que é dignificante na empresa, continua quando pergunto de que forma se manifestam a agressividade, a afetividade e o medo no papel profissional e se completa quando pergunto qual a pequena mudança que vão introduzir no seu papel profissional (qual a labirintite) e qual a mudança que esperam da empresa (qual o terremoto).

Esta postura maiêutica é fundamental nos líderes, na medida em que ela é o fundamento da primeira das três fases do processo de tomada de decisão.