Publicado originalmente em 29 jun 2013
Felicidade é comer jabuticaba. Como eu concluí isto? Há exatamente 30 anos, eu estava de férias com a minha família em um sítio; não só com filhos, mas com meus irmãos, cunhados e sobrinhos. Era um clima alegre, gostoso, claro; fazia parte do clima de alegria um bom jogo de futebol.
No meio do jogo, alguém chutou uma bola longe. Meu filho mais velho, na época com quatro anos, saiu correndo. Ele era o menorzinho e, por isso, o gandula. Ele correu pegou a bola botou em baixo do braço, e voltou para o campo. De repente, passou perto de um pé de jabuticaba, coisa que ele nunca tinha visto. Parou, deu uma olhada. Pegou uma, comeu. Pegou a segunda, comeu. Largou a bola, pegou a terceira e ficou comendo jabuticaba.
O que me impressionou não foi ele ter feito isto, que foi muito natural. O que me impressionou foi que todas as pessoas que estavam esperando a bola para poder continuar o jogo, ao invés de começar a gritar com ele, ficar amparadas, olhando. Ele estava inteiramente concentrado no que fazia. A sua cabeça, seu raciocínio e as suas emoções estavam inteiros ali, no que ele estava fazendo. Isto para mim é felicidade.
Se eu consigo casar o meu raciocínio, a minha emoção em qualquer atividade que me é prazerosa, eu estou feliz. É assim também no trabalho.
Estar com a cabeça volta da para a execução da tarefa não é muito complicado. Afinal, somos educados para isso desde o pré-primário. O mais difícil é o que diz respeito ao emocional. Neste campo, não só não somos educados, como, ao contrário, somos deseducados.
Todo impulso é bom. Seu resultado pode ser bom ou mau. Não é possível pensar que exista um impulso que seja ruim para o animal que o sinta. E sua descarga será sempre prazerosa. Esta descarga, no entanto, pode ser destrutiva para os outros. Um verdadeiro processo educacional deveria nos levar a controlar os impulsos, levando em consideração seu resultado. Não é assim que aprendemos. Nos é ensinado que há dois tipos de impulsos: os bons, que devemos exercer e desenvolver, e os maus, que não deveriam existir. Tal censura atinge níveis conscientes e inconscientes. Decretos secretos que me proíbem de sentir, não só de atuar, em função de tais impulsos. Como eles são normais, continuam a existir. Eu continuo a sentílos e a me culpar por ser normal; passo a reprimílos.
Quando necessito utilizá-los no papel profissional, não consigo acessá-los. Estão reprimidos. Vivo como se eles não existissem em mim.
Posso construir ou destruir com a agressividade. O mesmo se dá em relação à afetividade. Aprendo, no entanto, que amar é bom, ser agressivo é mau. Quando no papel profissional preciso ser assertivo, competitivo, colocar limites, ser curioso, criativo. Faltame o combustível dessas atuações, a agressividade, que me foi ensina da como sendo um impulso mau.
Requalificar tais impulsos, rever a qualidade que aprendi que eles tinham, é fundamental para o bom exercício de meus papéis familiar, social ou profissional. É fundamental para que eu possa ser feliz.
É fundamental para a empresa que essa energia preencha meu papel. Só assim serei realmente produtivo.
Sempre me chamou à atenção a diferença profunda que existe entre emprego e profiss. Emprego é um lugar chato aonde eu vou e trabalho, para ser remunerado e viver fora dali. Profissão é um espaço onde eu vivo e sou remunerado para continuar vivendo em outros papéis. Se eu consigo encontrar um espaço onde eu faço algo que me é prazeroso e onde tanto a minha cabeça como as minhas emoções estão inteiramente naquilo, eu estou feliz nesse grande período de vida que é o espaço profissional.
Se eu conseguir fazer isso na minha vida familiar, a cabeça e a emoção ali, eu estou feliz na quase totalidade da minha vida.
Ninguém é feliz, a gente está feliz. Por isso, felicidade é poder comer jabuticaba. Também no papel profissional.
Paulo Gaudêncio, psiquiatra e consultor de empresa
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