Apresentação do Dossiê: Medo
Coordenação de Carlla Zanna, PCC – Professional Certified Coach, Diretora de Educação e Desenvolvimento Humano na Transformação Consultoria e Diretora de Responsabilidade Social na ICF Brasil Chapter.
“Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar.” (William Shakespeare)
Quando recebi o desafio de coordenar esse dossiê, fiquei um tanto assustada. Medo é um tema complexo, amplo e que pode ser explorado de diversas formas. Então, fiquei imaginando o que poderia agregar valor aos leitores. Após considerar algumas possibilidades, escolhi abordar as contribuições da neurociência do comportamento e, para isso, convidei quatro colegas coaches a trazerem suas contribuições.
O que você irá ler a seguir é fruto de insights analíticos baseados em nossos estudos e experiências, assim pretendemos apenas oferecer a possibilidade de novas reflexões, sem querer esgotar o leque de questões que podem ser desferidas sobre o tema.
Boa leitura, divirta-se!
Carlla Zanna, Coach
DEFINIÇÃO E FISIOLOGIA por Carlla Zanna
O cérebro controla todos os aspectos da nossa vida. Ele revela, provavelmente, muito mais do que o código genético que trazemos ao nascer; ele diz o que cada um de nós realmente é, mostrando o que temos em comum e nossas diferenças. Não existe, no mundo, um cérebro igual a outro, e a forma como os circuitos neurais se organizam em cada um, explica o que fazemos, como fazemos, como nos lembramos das coisas, o que sentimos, nossos amores e medos.
Esse dossiê se propõe a explorar o medo e seus desdobramentos na vida das pessoas. Para isso, consideramos importante trazer uma definição clara que baseia nossa abordagem e informações sobre sua fisiologia.
Entendemos que o medo é um estado emocional que surge em resposta a uma situação de ameaça, onde acreditamos que nossa segurança ou a vida estejam em risco. Frequentemente, ele se caracteriza como um impulso negativo, que pode impedir algumas ações, mas é essa mesma emoção, o medo, responsável por nos ensinar a respeitar nossos limites. Ele serve como uma espécie de alerta e é de extrema importância para a sobrevivência das espécies, principalmente para nós, humanos.
Para que o medo apareça, é necessária a presença de um estímulo que provoque ansiedade e insegurança no indivíduo; e os humanos são capazes de desencadear medo a partir apenas da ideia de que algo seja desagradável ou ameaçador, ou seja, o medo pode ser provocado por razões sem fundamento ou lógica racional, basta que tenhamos uma crença que sustente uma determinada ideia de ameaça.
Através dos estudos da neurociência, acredita- se que a fisiologia do medo esteja associada à porção mais antiga do cérebro, chamada Tronco Cerebral. Estudos realizados por pesquisadores do Laboratório de Psicobiologia da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto comprovam que o medo, em seu estado mais primitivo, é um sentimento que está apoiado nos circuitos neurais equivalente aos dos primeiros répteis da Terra, acionando o chamado cérebro reptiliano, aquele que nos faz agir de forma impulsiva. É essa porção que nos assemelha a outros mamíferos e répteis e é também a parte que nos mantém vivos, pois integra funções vitais como o ritmo cardíaco, a digestão, a respiração e a pressão arterial.
O sistema límbico, responsável pelo controle das atividades emocionais, possui estruturas muito especiais, chamadas amígdalas cerebrais (localizadas dentro da região anteroinferior do lobo temporal em cada hemisfério do cérebro), responsáveis pela gênese do medo. O córtex pré- frontal, área cognitiva e emocional do cérebro, é responsável pela avaliação de potenciais perigos, cuidando assim da nossa autopreservação.
Quando somos confrontados com situações de ameaça, um processo involuntário é desencadeado, o hipotálamo secreta a proteína corticotropina, que estimula a hipófese e esta, por sua vez, produz o hormônio adrenocorticotrópico, que leva a glândula supra-renal a liberar cortisol, preparando nosso corpo para nos defendermos ou fugirmos.
Isso se traduz, no nosso organismo, através de características físicas muito típicas, mediadas pela divisão simpática do sistema nervoso autônomo, o que, na prática, significa aumento dos batimentos cardíacos, aceleração da respiração e contração muscular, que pretendem garantir nossa proteção e sobrevivência.
Outra substância química liberada pelo organismo, quando enfrentamos situação de estresse, é a serotonina, neurotransmissor que transmite impulsos entre os neurônios. Ela possui papel importante na aprendizagem, humor, sono e vasoconstrição (contração dos vasos sanguíneos) – todos aspectos fundamentais para o crescimento e desenvolvimento das pessoas.
A neurociência vem nos ajudando a estabelecer, com cada vez mais clareza, as bases orgânicas do comportamento, e hoje sabemos que o “medo social” (rejeição, incompetência, falta de importância, etc.) é um impulso primário que desencadeia as mesmas reações fisiológicas dos medos concretos (aqueles que logicamente colocam nossa sobrevivência em cheque). Isso significa que o medo ‘socioemocional’ é deflagrado nas mesmas regiões do cérebro que processam o medo concreto, disparando as mesmas reações físicas.
Como diz David Rock, co-fundador e CEO do NeuroLeadership Institute, o cérebro humano é um órgão social, por isso, nossas reações, limitações e sofrimentos decorrentes de ameaças socioemocionais também impactam nossa “sobrevivência”.
O SER HUMANO TEM MEDO, PROVOQUE A CONFIANÇA! por Katia Gaspar
Sabemos que o cérebro é o órgão mais importante do sistema nervoso, uma verdadeira máquina de conexões que envia milhares de informações e elabora sinapses durante o tempo todo, mesmo sem percebermos. Também pode ser um grande sabotador da nos- sa confiança se não soubermos como ele funciona.
Sob a ótica da neurociência, é possível dizer que o cérebro percebe duas vezes mais forte as situações como ameaça do que como recompensa. Por isso, quando nosso cérebro capta informações e as identifica como ameaça, nosso corpo tem uma reação aguda. O sistema nervoso assume o comando e desencadeia a reação de lutar, paralisar ou fugir (como já vimos anteriormente), resultando em impotência e ansiedade, que acabam debilitando as funções executivas, cruciais para enfrentar desafios, otimizando as funções do sistema límbico.
Como ser mais confiante e eliminar o medo?
Um estudo feito pela americana Amy Cuddy, psicóloga social e pesquisadora da Harvard Business School, diz que se mantivermos nossa mente no momento presente, podemos mudar, positivamente, a forma como lidamos com nossas reações, facilitando, consequentemente, a forma como lidamos com situações desafiadoras.
É muito fácil e rápido desviarmos nossa atenção do momento presente. Qualquer distração, interna ou externa, pode fazer com que nos desviemos, rapidamente, do que realmente importa. Você já percebeu que, dificilmente, nossa mente está no momento presente?
Vivemos em três dimensões temporais: presente, passado e futuro, e é muito comum nossa mente se distrair com as memórias do passado ou projeções futuras. Normalmente, nos preocupamos com o que os outros pensam sobre nós, ao invés de darmos a devida atenção ao que, de fato, é importante para nós.
Em função dessas ameaças socioemocionais sentimos MEDO e nossas reações de fuga ou luta nos afastam do momento presente; fugir nos impede de manter envolvimento com o que é necessário e lutar nos tira do momento presente porque pode não refletir a realidade.
Portanto, manter nossa mente atenta ao momento presente exige muito treino e disciplina. Se quisermos ser mais autoconfiantes e sentir menos medo, essa é uma habilidade extremamente necessária.
Quando nos sentimos presentes, atentos ao que estamos fazendo, tudo se alinha automaticamente, pois pensamos, sentimos e agimos de forma integrada e, consequentemente, temos mais confiança em nós mesmos e transmitimos essa confiança para as pessoas ao nosso redor. Para que isso aconteça, precisamos deixar o mundo em silêncio para ouvir a nós mesmos, precisamos pensar.
Temos o costume de refletir pouco sobre nós mesmos e fazer muitas coisas, às vezes, ao mesmo tempo. Precisamos ter em mente que somos seres humanos e não máquinas ou robôs. Frequentemente, agir de maneira automática, ou seja, o ato de fazer sem pensar, não nos permite trazer à consciência nosso valor como indivíduo. Desta maneira, a construção da autoestima se torna frágil e ela é um fator importante para identificar nossa própria capacidade para enfrentar as situações da vida.
Uma pessoa com boa autoestima não necessita da validação externa para prosperar nem desmorona ao primeiro sinal de ameaça. Ao invés de se preocupar com a validação externa, ela se conecta com o momento presente, com as ações que devem ser realizadas e tem tempo para refletir sobre o seu próprio comportamento perante as situações. Ter consciência sobre si mesmo traz a percepção sobre os comportamentos que devem ser reconhecidos como positivos e os que devem e precisam ser desenvolvidos.
Transformar nosso comportamento depende das recordações que tivemos sobre nossas experiências!
Nosso cérebro gosta de automatizar todos os comportamentos que trazem alguma forma de recompensa, afetando os comportamentos que poderemos escolher repetir, inconscientemente. Quando, de fato, não conhecemos a nós mesmos, podemos escolher, de forma inconsciente, por exemplo, desviar de situações que nos pareçam ameaçadoras, pois a falta de autoconhecimento leva nosso olhar para as situações e não para nós mesmos.
A autoconfiança consiste em ter consciência sobre a própria maneira de pensar, sobre valores e determina quais ações serão necessárias para seguirmos adiante. Se nossas ações não forem coerentes com nossa personalidade, não somos fiéis a nós mesmos, afinal, a fonte da autoestima elevada é nosso interior.
Há alguns anos eu não entendia o porquê de uma pessoa não se arriscar. Hoje entendo e percebo que existem várias razões. Uma delas é não saber reconhecer a si mesmo. Alguns são críticos demais; outros acreditam que falar sobre si mesmo de uma forma positiva pode parecer arrogância. Porém, quando não nos reconhecemos como agentes da nossa própria história, nos tornamos impotentes. E, quando nos tornamos impotentes, somos ameaçados pelas situações externas. Por isso, construir a própria história é a melhor maneira de conhecermos a nós mesmos, entendendo os fatos e as habilidades que nos fizeram ser quem realmente somos. Nossas escolhas conscientes são as responsáveis por alcançarmos ou não o que queremos.
Devemos deixar de lado frases como: “Foi sorte o que consegui” ou “Dei azar”. Em primeiro lugar, precisamos convencer a nós mesmos sobre o que nos capacita a lidar com situações desafiadoras. Muitas vezes, não aprendemos a reconhecer o que, de fato, fizemos como positivo para estarmos onde estamos. A pessoa que realmente acredita no valor e na integridade de sua história, e em sua capacidade de concretizá-la, automaticamente transmite confiança. A fala, as expressões faciais e as posturas são congruentes.
Dessa maneira, ela não transmite arrogância, transmite, sim, confiança, porque expressa o que realmente pensa. Age de modo confiante, sem acreditar que a aprovação ou rejeição dos outros é mais importante que as próprias. Faz, simplesmente pelo desejo de expressar sua maneira de pensar e agir, mantendo-se flexível para mudar quando fizer sentido para ela.
É importante ressaltar que nosso cérebro busca recompensas físicas e sociais e a autonomia é uma das necessidades sociais que buscamos como recompensa. Quando temos autonomia, nos sentimos livres de ameaças e em segurança. Sentimos ter o controle sobre as situações e isso é muito bom! Aumentamos nossa capacidade de sintonizar com oportunidades, otimizando nosso entusiasmo e confiança, indicadores essenciais de sucesso.
Estudos feitos com empresários indicam que essa qualidade demonstra garra, disposição para trabalhar duro, iniciativa, persistência face aos obstáculos, criatividade, capacidade de identificar boas oportunidades e ideias inovadoras. A autonomia nos torna livre de ameaças e em segurança.
Pode parecer um exagero, mas não é! De acordo com os neurocientistas, quando nos sentimos poderosos, nos sentimos maiores. Empinamos o queixo e recuamos os ombros. Estufamos o peito. Separamos os pés e em momentos de vitória, automaticamente, erguemos os braços e alteramos nosso comportamento não verbal.
Nossos pensamentos mudam nossas posturas e nossas posturas alteram nossos pensamentos.
De acordo com as pesquisas feitas por Amy Cuddy, adotar posturas de confiança fazem a testosterona aumentar e o cortisol diminuir. A testosterona e o cortisol flutuam em reações às mudanças de poder e status do indivíduo. Esse perfil está associado à alta assertividade e baixa ansiedade, para facilitar o senso de presença em momentos desafiadores.
Talvez, a descoberta mais importante deste estudo mostre que adotar posturas expansivas e abertas faz com que nos sintamos melhor e mais eficientes de várias maneiras. Além das posturas, as práticas meditativas são eficientes para o desenvolvimento da consciência emocional. Reconhecer que tipo de emoção está presente e como ela se manifesta no corpo e na respiração, ajuda a pessoa a retomar o controle de si.
Tão importante quanto ser autoconfiante é ter a capacidade de correr novos riscos. Muitas vezes, os riscos provocam medo. Não podemos ganhar mais habilidades se não enfrentarmos novos riscos. É necessário entender que novos desafios virão, mas podem ser apenas oportunidades de desenvolvimento e não ameaças. Gosto muito de uma frase que diz: “Só sabemos o gosto do chá depois de jogar água quente”. Isso significa que, ao enfrentarmos novas situações, liberamos adrenalina, que promove uma queda na testosterona e aumento de cortisol. Somente pessoas com capacidade de correr novos riscos sabem lidar com esses novos desafios e aceitam como uma oportunidade de desenvolvimento. Elas agem de forma natural, entendendo a situação conscientemente, sem deixar que o medo assuma o controle. A confiança tem relação direta com a capacidade de reconhecer habilidades e a disposição para enfrentarmos riscos, geralmente associados às nossas experiências passadas ou projeções futuras.
Mas tome cuidado! O excesso de confiança pode ser perigoso! Seja confiante para enfrentar o que tem capacidade. Tenha prudência para parar quando sentir que não é capaz. Lembre-se que a única pessoa que pode responder se você deve seguir ou parar é a sua consciência e nunca o seu medo.
MEDO E APRENDIZAGEM – Mentalidade Fixa e Mentalidade de Crescimento por Carlla Zanna
Como vimos até aqui, o MEDO é uma emoção que pode sim nos ajudar a aprender sobre limites e frustração, mas também pode interferir de forma contumaz no desenvolvimento humano. Nossas competências emocionais interferem diretamente em nossas competências cognitivas, ou seja, quando nossas emoções estão desorganizadas, a capacidade de aprender, de mudar e se desenvolver fica prejudicada e, infelizmente, a emoção que puxa essa fila é o medo.
No texto anterior, a coach Katia Gaspar afirma que a confiança está diretamente relacionada com nossa capacidade de reconhecer habilidades e nossa disposição para correr riscos, ou seja, o medo desencadeia comportamentos defensivos que podem interferir negativamente na disposição para aprender e evoluir.
Pesquisas mostram que crianças de até dois anos de idade que se mostram muito introvertidas e sentem muito medo, poderão, no futuro, desenvolver distúrbios de ansiedade, efeito patológico do medo. Isso, certamente fará com que esses indivíduos prefiram permanecer nas suas zonas de conforto, ao invés de experimentarem coisas novas.
Carol Dweck, psicóloga e professora da Stanford University, estudou durante anos a forma como as pessoas reagem diante de obstáculos, dificuldades e críticas e concluiu que lidamos com as ameaças e adversidades através de duas estruturas de pensamento, uma mais conservadora que ela chamou de mentalidade fixa e outra mais flexível, que recebeu o nome de mentalidade de crescimento. A primeira diz respeito à forma de pensar e agir, mais frequente, nas pessoas que acreditam que o talento é algo que elas possuem ou não. Já a segunda diz respeito à forma de pensar e agir das pessoas que abraçam os desafios, que se empenham para aprender algo novo, acreditando no seu potencial.
Segundo Dweck, quem age a partir da mentalidade fixa aceita seus limites com resignação ou acredita ser absolutamente inteligente e capaz, sem a necessidade de aprender coisas novas. Em geral, essas pessoas possuem baixo accountability (capacidade para assumir responsabilidade pelas consequências das próprias escolhas), mantendo-se, na maior parte do tempo, como vítimas das situações. Para essas pessoas, tomar decisões pode ser bastante difícil, pois elas sempre se defrontam com o paralisador medo de errar. Na direção contrária, aqueles que agem a partir da mentalidade de crescimento são capazes de ousar, pois possuem forte accountability e, na maior parte do tempo agem como protagonistas da própria vida. Frente a decisões, encaram seus medos de frente e ficam gratificadas quando o vencem e percebem que são capazes de fazer a diferença para si mesmas, seja no que diz respeito à motivação ou à produtividade.
Não se engane dizendo a si mesmo ser possuidor de mentalidade de crescimento ou fixa; todos agimos horas de uma forma, horas de outra, o importante é reconhecer o que fazemos com maior naturalidade e frequência frente aos gatilhos do dia-a-dia.
Por exemplo, quando recebemos críticas ou somos comparados com outros, podemos nos sentir inseguros e ameaçados e nossas reações defensivas aparecerão automaticamente. Com o medo acionado, temos muito mais dificuldade para ponderar sobre a situação e refletir sobre nossa conduta, o que irá inibir nosso crescimento e reforçar a mentalidade fixa. Para nos mantermos numa zona favorável ao aprendizado e desenvolvimento contínuo, precisamos de autoconfiança e resiliência, pois esse é o campo fértil da mentalidade de crescimento. Quando agimos assim, somos capazes de suplantar os medos e seguir em frente.
Entendo que a mentalidade fixa enaltece o impossível e a mentalidade de crescimento, por sua vez, engrandece as possibilidades. Para mim, a mentalidade fixa pode funcionar como âncora e nos deixar aprisionados sempre no mesmo lugar. Já a mentalidade de crescimento significa se provocar o tempo todo para não haver acomodação. A zona de conforto é a maior inimiga do desenvolvimento, mas é amiga íntima do medo, pois ela o alimenta.
Uma história real que exemplifica muito bem o que exponho acima é a história de um homem admirável que venceu seus limites e medos, trata-se de Barack H. Obama, ex-presidente dos Estados Unidos.
Certa vez, aos nove anos de idade, o menino negro, nascido no Havaí e com nome mulçumano, olha para sua avó, mulher que o criou, e diz: “Eu vou ser presidente dos Estados Unidos da América”. Então, aquela sábia mulher, ao invés de ressaltar todas as características acima, limitando as possibilidades do seu neto, o olhou de forma carinhosamente firme e simplesmente disse: “You can!”. É importante deixar claro que ela não disse: sente e espere que qualquer dia alguém vai te fazer esse convite; ela apenas disse que se ele realmente quisesse, ele poderia chegar aonde pretendia.
Certa vez, ouvi Mario Sergio Cortella dizer que água parada fede e apodrece e que a única maneira de evitar que isso aconteça é deixar que ela vá além dos limites, é deixar que ela transborde, ou seja, para vencer o medo acredite em si mesmo e vá além dos seus limites!
FLEXIBILIDADE COGNITIVA: UM CAMINHO PARA LIDAR COM O MEDO por Paulo Erreira
Imagino que você entenda que o medo não é ruim sempre e que ajuda muitas vezes a preservar a sua vida. No entanto, há situações em que o medo é realmente ruim, quando ele se torna disfuncional e o impede de continuar crescendo. Mas o que caracteriza o medo disfuncional e como posso lidar com ele? Acompanhe-me até o final, pois tentarei deixar claro a que me refiro.
O medo é assunto relevante para quem trabalha com Coaching, pois muitas vezes é ele que está sutilmente presente e atrapalhando nossos clientes a alcançarem a plena realização. De fato, o medo pode tomar uma dimensão tão grande, a ponto de travar o desenvolvimento de uma pessoa.
Trataremos do medo que é gerado por fatores inconscientes, nem sempre condizentes com a realidade em termos de sua intensidade. Vou abordar o assunto tomando por base conceitos que estudamos em Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), disciplina que foi estruturada por Aaron Beck, professor emérito da Universidade da Pensilvânia, e farei um paralelo com o neurocoaching, afinal, o intercâmbio da TCC com a neurociência é forte e acontece através do diálogo entre mente e cérebro, organismos integrados e interdependentes.
Apesar de comportamental fazer parte de seu nome, a Terapia Cognitivo Comportamental atua nos sintomas psicopatológicos através da intervenção sobre as cognições (pensamentos) da pessoa. Falando de maneira simples, desde que nascemos, vamos construindo esquemas, que são entendidos aqui segundo a visão de Jean Piaget, que sistematizou suas pesquisas relativas ao estudo da gênese psicológica do pensamento humano. Tratam-se de superestruturas mentais hipotéticas, que organizam as informações desde o momento que nascemos. Esses esquemas geram crenças. Esquemas e crenças, em uma comparação sem sofisticação, são como as “lentes” através das quais enxerga-se a realidade.
São os esquemas e as crenças que geram pensamentos. Esses pensamentos podem ser funcionais ou disfuncionais. Em caso de psicopatologias, os pensamentos disfuncionais são aqueles que dificultam a vida da pessoa, pois geram emoções negativas, que resultam em comportamentos indesejáveis.
Vamos usar um exemplo, como ilustração. Imagine que você está no shopping e encontra um colega. A última vez que conversaram, ele havia se mostrado muito simpático e você, ao vê-lo novamente, tinha certa expectativa positiva quanto à forma como seria tratado. No entanto, seu colega o trata de uma maneira que você considera bastante fria, distante. As interpretações do evento acima serão influenciadas pelos esquemas e crenças de cada pessoa. Se você tem uma crença básica, por exemplo, de não amabilidade, talvez jogue toda a responsabilidade sobre si mesmo e pense: “O que eu fiz para ele, para ser tratado assim? Estou chateado e preciso esclarecer isso”. A emoção que aflora é a tristeza e na próxima vez que você encontrar a pessoa, seu comportamento poderá ser sondar se ela ainda está estranha com você e talvez até retome o assunto, perguntando a ela se está magoada por algo que você tenha feito. Já viveu algo parecido? Outra pessoa, na mesma situação, poderia pensar: “Quem ele pensa que é, para me tratar assim? Que cara antipático, ele que me aguarde!”. A raiva aflora e da próxima vez que essa pessoa encontrar o colega, seu comportamento pode ser agressivo em alguma medida ou de desprezo. Uma terceira pessoa pode pensar: “Ele me pareceu chateado…vai ver que brigou com a esposa.” Essa pessoa esqueceria o caso rapidamente, não teria nenhuma emoção predominante e trataria a outra pessoa normalmente da próxima vez em que a encontrasse.
Agora eu vou contar o que realmente aconteceu. Essa pessoa havia recebido naquele dia a notícia de que um de seus melhores amigos estava com um câncer muito sério e sentia-se bastante abalada quando encontrou seu colega. Não estava conseguindo deixar de pensar no amigo e em seus filhos, ainda pequenos, que sofreriam muito se ele não fosse curado. De fato, nem percebeu que foi frio com seu colega.
Nenhuma das três pessoas acertou, pois ninguém sabe o que se passa dentro do outro. Mas, podemos dizer que foi a última pessoa a que encarou a situação de forma mais impessoal, que teve o pensamento mais funcional, pois não abalou suas emoções sem necessidade. Não estou dizendo que essa pessoa não tem nenhum tipo de psicopatologia, mas isso não vem ao caso, para os objetivos deste texto.
Calma, coach, calma – pode ser que, a essa altura, uma certa indignação já começou a dominar você – talvez você já esteja tendo pensamentos disfuncionais. Ou será que sou eu que estou tentando ler seus pensamentos? De qualquer forma, deixo claro que eu sei que coaching e terapia são coisas completamente diferentes – assim, mantenha-se calmo, ou calma, por que eu vou chegar ao meu ponto muito em breve.
A TCC tem muita similaridade com o coaching e o interessante para nós, coaches, é que algumas ferramentas utilizadas na TCC podem ser aplicadas com sucesso em processos de coaching e eu quero falar particularmente do desenvolvimento da Flexibilidade Cognitiva, como uma forma para tentar lidar com o medo.
Como vimos, por trás de uma emoção, sempre há pelo menos um pensamento que é gerado por nossos esquemas e crenças. Assim, a emoção medo será disfuncional quando é gerada por uma estrutura patológica, que pode ser marcada por um exagero ou por uma falta de consistência com a realidade. Você faz bem em sentir um certo nível de medo ao atravessar uma rua, o que o leva a ser cauteloso. No entanto, se você está deixando de crescer e de dar passos importantes em sua vida, com medo de que coisas ruins aconteçam, você se assemelha à pessoa com pânico, que deixa de sair de casa, por temer ser atropelada por um carro, a qualquer momento. Neste caso, os medos não condizem com o tamanho do risco e tampouco com a realidade – são medos disfuncionais.
Nosso cérebro funciona melhor quando intervimos de forma consciente sobre o mesmo, organizando as ideias, contrapondo pensamentos automáticos negativos e estabilizando emoções. Isto é, quando sentimos alguma emoção negativa, devemos procurar identificar qual o pensamento que está gerando esta emoção e fazer uma intervenção imediata, buscando formas alternativas de pensamento e enxergando a situação por outras perspectivas. Assim, interrompemos um ciclo que pode estar sendo gerado por esquemas e crenças inconscientes e nem sempre suportados pela realidade. Estamos sendo, neste caso, cognitivamente flexíveis, buscando pensamentos alternativos e mais realistas, que geram emoções mais funcionais e, portanto, saudáveis.
Lembro-me do caso de um cliente que havia passado um final de semana angustiante, porque seu superior havia tido um comportamento ameaçador na sexta-feira. Conversamos sobre o caso na segunda cedo, e ficou evidente que era o medo que predominava. Mas medo do quê? A pessoa nem sabia explicar, pois estava confusa, sabia apenas que estava se sentindo mal e sem vontade de ir trabalhar e rever seu superior. Estava sentindo um tipo de medo disfuncional. Foi feita a pergunta sobre o que de pior poderia acontecer e a pessoa teve um insight, notando que o pior mesmo seria a demissão, que nem seria tão ruim, pois a pessoa estava bastante infeliz nesse trabalho. Passo a passo, meu cliente foi organizando seu pensamento e estabilizando suas emoções. Saiu muito mais calmo e preparado para ter uma conversa madura com seu superior, que acabou por lhe pedir desculpas por ter exagerado na dose na sexta passada. Aqui tivemos um final feliz, e nem se trata de um conto de fadas, mas da vida real.
O medo gerado por situações nem sempre ameaçadoras pode ter uma possível causa, a presença de esquemas e crenças de vulnerabilidade, que levam a pessoa a acreditar que o problema é maior do que sua capacidade para lidar com ele. Assim, a primeira estratégia é a esquiva, evitando o enfrentamento.
Em conclusão, devemos tomar nossos pensamentos como hipóteses e não como verdades irrefutáveis e absolutas. Desenvolver a Flexibilidade Cognitiva nos ajuda a lidar com as emoções, porque buscamos alternativas na forma de pensar, enxergando as coisas por outros ângulos, desafiando o primeiro pensamento que vem à mente, no qual tem-se uma tendência a acreditar cegamente.
No caso específico do medo, fazendo isso, haverá grande possibilidade de enxergarmos os problemas de forma mais realista e assim confiarmos mais em nossa capacidade para resolvê-los.
COMO O MEDO PODE IMPACTAR O ALCANCE DE OBJETIVOS por Silvia Rodrigues
Quando fui convidada para escrever este artigo, muitas dúvidas vieram à minha mente. Conforme comecei a escrever, percebi que na verdade eu estava sentindo medo. Ao me dar conta dessa sensação, logo entendi que ficar com medo não ajudaria no alcance do meu objetivo. Respirei fundo, fiz um exercício de foco, meditei, desenhei uma estrutura que me parecia lógica e amigável e, com a emoção regulada, segui em frente.
…
Achei que seria útil falar sobre os tipos de medo e como eles podem impactar no alcance dos objetivos e também compartilhar algumas dicas que tenho aprendido ao longo da vida.
Nem sempre o medo é um vilão!
Só de ouvirmos a palavra MEDO, é provável que sintamos algo diferente, no mínimo ficamos mais alertas. Entretanto, o medo nem sempre é um vilão, muito pelo contrário, ele é uma condição natural para todos os seres vivos e tem como principal função a sobrevivência.
Quando temos a sensação de algo ameaçador, seja ele real ou imaginário, como a coach Carlla Zanna já escreveu, agimos de forma instintiva, seja para fugir, lutar ou mimetizar (ficamos paralisados). É por isso que, numa situação de grande ameaça como por exemplo um assalto, algumas pessoas correm, outras lutam com o assaltante e outras simplesmente congelam. Em todos os casos, as pessoas só se dão conta do que fizeram depois que a ameaça termina, porque durante a situação, boa parte do nosso “combustível” necessário para pensar, está mobilizado “alimentando” o processo emocional de preservação, desencadeado pela ativação da amígdala cerebral. Só quando nos acalmamos, o sangue volta a circular normalmente e voltamos a pensar e agir de forma racional e consciente.
Os medos emocionais despertam insegurança, e geralmente estão relacionados a um sentimento de incapacidade, inferioridade e não merecimento. Esse tipo de medo é capaz de nos paralisar e, consequentemente, impactar o alcance de objetivos. Nos seres humanos, a forma de enfrentar o medo é uma junção de recursos instintivos e de aprendizados adquiridos ao longo da vida. Nesse sentido, quando vivenciamos uma sensação de ameaça, primeiramente é ativado o nosso instinto de preservação, e só depois um processo mental aprendido com as experiências nos leva a agir de uma forma não instintiva. É nessa segunda parte que daremos mais foco neste texto.
Medo X Alcance dos objetivos
Se por um lado o medo é um processo metabólico que mobiliza recursos importantes para cuidar da nossa sobrevivência, por outro, torna-se um vilão quando prejudica o funcionamento do cérebro consciente que, se alimentando dos recursos necessários, é capaz de distinguir inclusive se uma ameaça é real ou imaginária e, nos dois casos, pensar em formas de lidar com ela.
É no córtex pré-frontal que são processados os pensamentos mais complexos relacionados à decisão, compreensão, recordação, inibição e memorização. Embora seja espetacular, o córtex pré-frontal tem limitações: é pequeno, tem cerca de 2% do volume do cérebro, mas usa em média 20% de todo o recurso para funcionar. Em resumo, quando falamos sobre vencer o medo e alcançar objetivos levando em consideração o funcionamento do cérebro, precisamos pensar em formas de canalizar os recursos necessários para o funcionamento do Córtex Pré-frontal. Veja algumas sugestões de como lidar com situações de medo.
- Para superar o medo, cuide dos seus pensamentos. O cérebro é serial e trabalha por foco, ou seja, os pensamentos dão o comando para o que deve procurar. Lembre-se, por exemplo, de quando você decidiu trocar de carro. Após ter escolhido cor, modelo e outros detalhes, o que aconteceu? Você passou a ver esse carro nos mais diversos lugares. De um momento para o outro, a sensação era de que esse modelo havia se multiplicado, não é? Mas na verdade, esses carros sempre estiveram lá. A diferença foi o comando que você deu para o seu cérebro. O problema é que isso também vale para pensamentos e imagens mentais negativas. Se você disser “não quero sentir medo”, estará pensando sobre o medo e este será o foco do seu cérebro. Neste caso, troque pelo o que você deseja, por exemplo: coragem.
2. Não se renda à tirania do Agora. Olhar para o agora e querer o resultado imediato pode ser um gatilho para o medo. Carol Dweck, em seu livro “Mindset”, fala sobre o poder do ainda e a tirania do agora. Um medo bastante comum é o medo de se arriscar, de fazer algo que ainda não sabe fazer bem, de não se sair bem e pensar que existem pessoas que fazem isso muito melhor. Neste caso, ainda na linha de cuidar do pensamento, ao invés de pensar “eu não sei fazer isso”, o ideal seria pensar “eu AINDA não sei fazer isso”. Essa simples mudança de pensamento, ajuda muito no processo desse novo aprendizado, bem como não se comparar com outros, e sim olhar para o seu processo. O quanto você sabia sobre isso há seis meses atrás, o quanto sabe agora e quanto saberá daqui a seis meses? Pense sobre isso.
3. Procure se conhecer melhor. Embora esse item pareça óbvio, é comum as pessoas não terem consciência de suas fortalezas e de seus pontos de desenvolvimento. Quanto mais nos conhecemos, mais temos condições de potencializar nossas forças e utilizá-las para desenvolver os pontos que ainda não estão satisfatórios. Neste caso, podem ser úteis ferramentas de autoconhecimento e inteligência emocional, coaching, psicoterapia, leituras, meditação, entre outras.
4. Entenda os gatilhos por trás do medo. Para poder lidar com o medo, antes de mais nada é preciso conhecê-lo. Convido você para fazer um exercício. Quando sentir medo, reflita sobre o que disparou esse medo. Reflita sem julgar a si mesmo e descubra o que realmente está por trás dele. Assim que tiver essa consciência, pense em alternativas para colocar em prática em uma próxima oportunidade. Uma outra reflexão que costuma gerar bons resultados é pensar a respeito das vantagens geradas por esse medo. Sei que pode soar estranho, mas sugiro que experimente e tire suas próprias conclusões.
5. Cuide bem de você e do seu cérebro. Pesquisas mostram que quanto mais mentalmente saudáveis estivermos, mais temos condições de lidar com nossas emoções e problemas, inclusive o medo. David Rock , fundador do Instituto NeuroLeadership, e Daniel J. Siegel são os responsáveis pela “dieta” que, na verdade, não traz informações sobre alimentação, mas sobre comportamentos diários para que o cérebro seja mais saudável e, dessa forma, potencializar o funcionamento do córtex pré-frontal. Nessa “dieta”, eles elencaram sete atividades essenciais para uma saúde mental. São elas: Sono – Se não dormirmos o suficiente, é como se estivéssemos trabalhando bêbados. Por outro lado, uma boa noite de sono melhora a memória, o pensamento criativo, o aprendizado e temos mais condições de regular as emoções. Atividade Física – O exercício físico melhora o fluxo sanguíneo do cérebro e facilita o processo de aprendizado. Tempo para Focar – Como vimos, o córtex pré frontal se distrai facilmente. Sendo assim, focar torna-se mandatório. Procure fazer uma coisa por vez, dividir o problema e cuidar por partes. Quando for fazer algo importante, prepare o ambiente e previna-se ao máximo de distrações. Tempo de Conexão – Conexões sociais são uma necessidade humana básica. Quanto você tem investido nas suas relações? O tempo de conexão não traz apenas benefícios para a saúde física e mental, ajuda também a desenvolver a inteligência social. Diversão ou Tempo Lúdico – De quais brincadeiras você gostava quando era criança? Quanto tempo você tem dedicado para se divertir de forma espontânea e criativa? A alegria estimula a recompensa e causa a liberação de dopamina, que é altamente benéfica para o cérebro. Tempo de Relaxamento – Logo depois de ter um tempo longo de foco, a recomendação é desconectar, não ter planos, estar aberto para o que surgir. Para algumas pessoas pode parecer desafiador, mas você pode tomar uma decisão deliberada de permanecer um tempo sem foco (exemplos: ouvir música, tomar um banho, ler algo leve, etc.). Mindfulness/Atenção Plena – Jon Kabat-Zin fundador e diretor executivo do Center Mindfulness, descreve Mindfulness como prestar atenção de um modo particular no propósito, no momento presente e sem julgamentos. Estudos mostram que quando praticada regularmente, ajuda as pessoas a regularem suas emoções.
Resumindo, para que o medo seja seu aliado, é preciso um olhar integral e para dentro.
QUANDO O MEDO TE IMPEDE DE SER VOCÊ MESMO por Rogeryo Leite
Os dilemas que as pessoas trazem para um processo de coaching possuem muitas camadas. Partindo da “ponta do iceberg”, o coaching vai revelando algumas dessas camadas para que o coachee possa compreender as estruturas subjacentes que sustentam seus comportamentos e reações diante do dilema que está sendo enfrentado e que obviamente não estão ajudando a solucionar o problema. Logo, cabe ao coach calibrar o foco e o nível de profundidade desse mergulho, para manter a assertividade do processo e não desperdiçar a energia e o tempo do coachee trazendo questões que não estejam a serviço de gerar insights focados na transformação pessoal buscada por ele.
É sabido que nessas camadas vamos encontrar crenças e modelos mentais que precisam ser reavaliados pela pessoa se ela quiser escrever uma nova história para sua vida. Todavia, é muito comum que surjam questões que até o próprio coach não elaborou em si mesmo ainda. Essas são questões que todos temos e por isso, quando decidimos trabalhar com o desenvolvimento de outras pessoas, precisamos buscar constantemente curar nossas dores internas, pois isso aumenta nosso repertório e nos torna aptos para lidar com situações e temas cada vez mais variados. Todo processo de transformação pessoal é uma “via de mão dupla”, em que ambos, cliente e coach, são beneficiados com aprendizados sobre a vida e sobre si mesmos.
Em qualquer dilema, sempre reside a necessidade da pessoa ter coragem de reconhecer sua essência e de se autorizar “simplesmente ser”. Somente depois da pessoa honrar quem ela realmente é, ela estará pronta para definir com clareza quem ela quer se tornar e qual o caminho necessário para chegar lá.
A transformação está, em algum nível, na autorização que a pessoa se dá para ser ela mesma, ao passo em que ela se liberta da pressão social de ter que se enquadrar em determinados padrões. Quando falamos de autorização, lembramos que de acordo com a etimologia da palavra, quando eu me autorizo, eu me torno autor, ou seja, eu me torno responsável pela criação da minha própria história.
Então, como ajudamos as pessoas a construírem um mindset positivo sobre si mesmas e a terem coragem de assumir a responsabilidade sobre suas escolhas?
Um bom caminho é trabalhar o desenvolvimento da Inteligência Emocional dessas pessoas, ajudando-as a se libertarem dos medos e de possíveis máscaras sociais que elas tenham criado, que só as afastam de sua própria essência.
Daniel Goleman, autor de diversas obras sobre esse tema, define Inteligência Emocional como “a capacidade de identificarmos nossos próprios sentimentos e os dos outros, de motivar a nós mesmos e de gerenciar bem as emoções dentro de nós e em nossos relacionamentos”. Ele aponta a autopercepção (saber o que estamos sentindo no momento) e a autorregulação (gerenciar as próprias emoções de modo a conseguir adiar recompensas imediatas e agir de modo consciencioso) como os primeiros passos para o desenvolvimento da Inteligência Emocional. Isso porque a mente emocional é muito mais rápida que a mente racional e tende a agir com mais impulsividade e convicção imediata. Essa rapidez tira de cena a reflexão deliberada e analítica que é característica da mente racional. Por isso, as iniciativas sob domínio da mente emocional, não raramente geram arrependimento.
Do ponto de vista da neurociência, a regulação dos processos emocionais está fundamentalmente no sistema límbico. Esse sistema localizado no cérebro está também associado ao sistema nervoso autônomo e ao processamento das memórias de longo prazo: explícita (declarativa: episódica ou semântica) ou implícita (emocional, condicionamentos, hábitos). Ele dispara as reações emocionais e físicas imediatas (taquicardia e respiração curta, por exemplo) quando entende que a situação traz ameaças ou dispara reações de aproximação quando identifica uma situação em que há recompensa. Já a mente racional está mais associada principalmente ao córtex pré-frontal, região atrás da testa responsável pelos processamentos mais complexos, como análise da situação na linha do tempo e espaço, memória de trabalho (curto prazo) e tomadas de decisão.
Quando a mente emocional está sendo movida pelo medo, todo o sistema nervoso entra em estado de ameaça e nossas habilidades de análise e raciocínio ficam abaladas. Quando a pessoa aprende a identificar suas emoções e a regular suas reações, certamente ela está exercitando o funcionamento equilibrado entre a mente racional e a mente emocional. Desse modo, ela fará escolhas melhores mesmo em momentos de crise e os bons resultados desse processo trarão mais autoestima, afastando a sensação de inadequação que tanto força as pessoas a “não serem elas mesmas”.
O interessante é que Quociente Emocional pode ser desenvolvido desde a tenra idade. Uma ótima demonstração disso é o “experimento do marshmallow”. É possível que você já tenha assistido a um dos divertidos vídeos que circulam na Internet, mostrando a reação de algumas crianças frente a um desafio. Esse experimento mostra algumas crianças que são deixadas sozinhas em uma sala diante de um marshmallow após terem recebido, de um adulto, a seguinte consigna: “se você não comer o doce até eu voltar, você ganhará o direito de comer dois doces, mas se quiser comê-lo agora, você pode, mas comerá apenas este”. O divertido nos vídeos é ver as mais variadas reações de cada criança diante da “tortura” de não comer imediatamente o doce que elas adoram, adiando assim a felicidade instantânea, visando a recompensa futura. Nem todas conseguem, algumas tentam se auto ludibriar, enfim fazem manobras mirabolantes para conseguir ter as duas coisas ao mesmo tempo.
Atrás desta brincadeira com as crianças, há um estudo científico da maior relevância, que teve início na década de 1960 na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Esse estudo visava trazer mais compreensão sobre o sistema de recompensas do cérebro. Foi um estudo longitudinal, porque essas crianças foram acompanhadas pelos cientistas por muitos anos e já na adolescência elas demonstravam características distintas. Aquelas que resistiram à tentação de comer o doce, satisfazendo sua necessidade de prazer imediato, tornaram-se adolescentes bem mais capacitados para lidar com as frustrações da vida. Isso lhes deu habilidades de lidar com as pessoas e encarar os desafios da vida com muito mais vigor, independência e autoconfiança. Eles tinham mais desenvoltura na vida social, lidavam melhor com seus medos e, pasmem, tiveram melhor desempenho acadêmico.
Cerca de um terço das crianças ativou o sistema de recompensa imediato e comeu o marshmallow antes do adulto voltar, abrindo mão de uma recompensa futura. Na adolescência, elas apresentaram um perfil mais tímido, retraídas no convívio social, indecisas, teimosas, sem traquejo para lidar com as frustrações e com tendência de ficarem paralisadas diante de uma situação tensa e desafiadora. Além disso, impressionantemente, elas revelaram um mindset muito negativo sobre si mesmas por julgarem-se inadequadas e indignas. Isso gerava uma mistura de emoções como ciúme, inveja, medo, que resultaram em pessoas mais reativas, briguentas e mal humoradas. E para completar, isso tudo afetou negativamente seu desempenho acadêmico e a qualidade de suas relações familiares e sociais.
Goleman diz que “o que aparece discretamente no início da vida desabrocha numa ampla gama de aptidões sociais e emocionais com o desenrolar dela”. Então, quanto mais cedo enfrentarmos nossos medos e aprendermos a estabelecer nossas prioridades, analisando as situações com equilíbrio entre razão e emoção, maiores serão nossas chances de termos sucesso na vida. A boa notícia é que nunca é tarde para abandonarmos velhos padrões, desenvolvermos nossa Inteligência Emocional e nos posicionarmos com mais desenvoltura diante dos desafios da vida.
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