Comunicação Não Violenta – Visão Geral e Dicas

“Acredito que é de nossa natureza gostar de dar e receber de forma compassiva”  

                                                       Marshall Rosenberg  (1934 – 2015)                                                                                

“Se é da comunicação humana o ato de falar e ouvir e, se quando o fazemos de coração isso nos liga uns aos outros …” (M. Rosenberg) a comunicação é a nossa principal ferramenta de interação e conquistas, pois tudo na nossa vida se dará através dela. 

A afirmação acima me instigou a pesquisar e estudar como o processo de comunicação defendido pelo Dr. Marshall Rosenberg poderia ser útil no dia-a-dia de gestores e líderes. Afinal, estabelecer uma comunicação eficaz é fundamental para todos, em especial para aqueles que tem como missão influenciar e mobilizar pessoas para a conquista de resultados.

Durante meus estudos percebi que nós, humanos, nos comunicamos  de forma ‘violenta’ muito mais do que eu imaginava e que, na maioria das vezes, fazemos isso de forma completamente inconsciente e sem intenção, apenas porque aprendemos dessa forma.

Em seu trabalho de campo o Dr. Rosenberg identificou três formas mais comuns, de comunicação violenta:

  1. Exercício do Controle – cortar os outros enquanto falam, exagerar os fatos, falar de forma absoluta (a sua verdade é a verdade), dominar a conversa 
  2. Rotulações – estereotipar ou categorizar pessoas, generalizar e xingar 
  3. Ataque direto – não deixar que o outro fale, aumentar muito o tom de voz, depreciar o que está sendo dito e ameaçar o outro.

Aprendi que a linguagem habitual do ser humano pode ser bastante violenta e alienante nos afastando de nosso estado compassivo natural, pois tal linguagem possui como raiz os julgamentos moralizadores que buscam dominação e convencimento uns dos outros, ao invés de focar em estabelecer relações de liberdade, autonomia e responsabilização, como preconiza a ”Comunicação NãoViolenta” – CNV.

A CNV surge como uma forma de rever os critérios de interação entre as pessoas, através da atenção aos comportamentos e sentimentos envolvidos na comunicação. Não se trata de uma técnica e sim de uma intenção consciente (de abertura e humanização das relações) durante o processo de diálogo, pois como disse Rumi, poeta sufi do século XIII, “para além das ideias de certo e errado existe um campo e eu me encontrarei com você lá”.

Esse modelo foi baseado nas ideias de Gandhi e na psicologia humanística de Carl Rogers, apoiando o estabelecimento de relações de parceria e cooperação, em que predomina uma comunicação eficaz com empatia. O Dr. Rosenberg descobriu que esta forma de influência mútua tende a inspirar ações compassivas e solidárias, sendo cada vez mais utilizada por uma rede mundial de mediadores, facilitadores e agentes voluntários, com o objetivo de agir de forma prática e eficaz em favor da paz. 

A CNV vem se consolidando como linguagem intercessora, possibilitando melhor compreensão das palavras, estimulando relações profissionais e pessoais mais harmônicas. Não se trata de um método, trata-se sim de uma forma diferente de organizar a comunicação quando se tem a intenção de estabelecer um diálogo positivo, harmonioso e acima de tudo, respeitoso.

Qualquer pessoa pode usufruir e se beneficiar da prática da CNV, pois para isso não é necessário que o interlocutor a conheça ou esteja disposto a se comunicar compassivamente conosco, basta que durante o diálogo pelo menos uma das pessoas se atenha aos princípios da CNV, ou seja, esteja motivada  a dar e receber com compaixão, dessa forma o outro se juntará a ele durante o processo. 

Isso não acontece de forma imediata e também não há garantias, por isso exercitar a comunicação empática é a única forma de fazer com que um fluxo verdadeiro e generoso – de coração para coração – flua entre mim e o outro. Marshall Rosenberg, nos convida a aprimorar o olhar de tal forma que a empatia seja amplamente valorizada, como mostra a imagem a seguir:

Uma imagem contendo verde, colorido, grande, jogador

Descrição gerada automaticamente

O modelo da CNV possui quatro componentes, onde expressões honestas são os pressupostos básicos da comunicação. Sua essência está na consciência destes componentes durante o processo e não nas palavras que são trocadas, inclusive porque a comunicação pode ser feita de forma verbal ou não verbal.

  1. Observação – declarar de forma descritiva a situação, sem julgamento ou análises, mantendo foco exclusivo aos fatos. 
  2. Sentimento – perceber claramente o que está sentindo em relação ao fato e comunicar ao outro.
  3. Necessidades – reflexão sobre as necessidades que queremos ver atendidas, ao invés de apontar erros em si ou no outro (ao invés de pensar no que está errado na situação ou com o interlocutor).
  4. Pedido – verbalizar de forma clara, positiva e assertiva o que é preciso para enriquecer a sua vida e a do outro (isso é difícil, pois eles podem nos mostrar partes de nós que não queremos ver).

Como isso funciona na prática?

Imaginem a seguinte cena: uma mãe chegando em casa depois de um dia puxado de trabalho e mais uma vez encontra a sala bagunçada pelo filho adolescente que está no seu quarto ouvindo música. Ela vai até o quarto para falar com ele, descarregando seus sentimentos e emoções …

Talvez essa mãe diga algo como … “caramba filho estou cansada, trabalhei o dia todo e agora chego em casa e encontro a sala toda bagunçada com as suas coisas. Não é a primeira vez, você não tem jeito mesmo, é um bagunceiro, não colabora, fica o dia inteiro ouvindo essa música infernal!!! Estou farta disso!”

Provavelmente, ao expressar seus valores e necessidades dessa forma a mãe acaba provocando resistência em relação as suas reais necessidades e reforça uma postura defensiva do filho, que poderá reagir na direção esperada não por sentir um desejo genuíno e sim por medo, vergonha ou culpa. Ele poderá tirar suas coisas da sala, contudo, cedo ou tarde ambos sofrerão as consequências dessa ação de “boa vontade”, pois aquele que se submete aos valores e necessidades do outro acaba ruminando ressentimentos e minando a autoestima.

Outras possíveis reações do filho poderiam ser, entrar num emaranhado de justificativas sobre seu comportamento ou se colocar como vítima (estou sempre errado, você nunca valoriza o que eu faço), a questão é, em qualquer uma das alternativas nada de positivo seria produzido nesse tipo de conversa. 

Essa abordagem é considerada violenta, não por existir agressividade explicita como gritos ou destemperos emocionais, e sim porque está permeada de julgamentos e postura coercitiva. Nesse exemplo, a mãe apenas coloca para fora o que está sentindo e acusa o filho. Dessa forma a questão não será resolvida e a relação entre eles ficará desgastada.

Como seria essa conversa usando a CNV?

Mãe:  Roberto quando eu chego em casa e vejo duas bolas de meias sujas debaixo da mesinha, mais três perto da TV e seu calção de futebol no canto do sofá (observação) fico irritada e frustrada (sentimento) porque preciso de mais ordem no espaço que usamos em comum (necessidade). Você poderia colocar suas meias e calção sujos no seu quarto ou direto na máquina de lavar? (pedido).

Filho: Mãe eu não quero deixar as roupas sujas no meu quarto e nem colocar na máquina de lavar, mas posso colocar no cesto de roupas sujas que fica na lavanderia, isso te atende? 

Mãe: Sim filho, atende!

Observamos que ao garantir esses quatro passos, seja falando para o outro ou ouvindo dele o que necessita, é possível mudar a qualidade da comunicação, pois a escuta fica mais atenta, a expressão dos sentimentos não aponta erros e a necessidade de ambos é considerada e respeitada. 

A CNV vem sendo utilizada com sucesso, em relacionamentos íntimos, famílias, escolas, organizações, negociações diplomáticas e comerciais, disputas e conflitos de qualquer tipo. 

Um dos exemplos que gosto de compartilhar é o de uma professora do ensino fundamental numa escola publica de Chicago que compartilhou a seguinte história: “há um ano venho utilizando a CNV na minha turma de alunos com necessidades especiais e estou comprovando que essa forma de comunicação  pode ser eficaz inclusive com crianças como as minhas, que possuem um desenvolvimento mais demorado da linguagem, dificuldades de aprendizagem e de comportamento. Um dos meus alunos costumava cuspir, falar palavrões, gritar e espetar outros alunos com o lápis sempre que alguém se aproximava de sua carteira, isso me tirava do sério e atrapalhava todo fluxo da aula com os demais alunos. Depois que participamos dos seminários sobre os princípios da CNV (nestes eventos com crianças são usados fantoches de girafa para elucidar o processo, pois sendo a girafa o animal com o maior coração entre todos os animais, passou a ser o símbolo da CNV) as coisas melhoraram muito. Hoje quando acontece alguma coisa eu digo a ele: por favor, diga isso de outro jeito, use a sua conversa de girafa e, na mesma hora ele se levanta, olha para o colega do qual está com raiva e diz com calma: “por favor, você poderia sair de perto da minha carteira, eu fico com raiva quando você fica tão perto de mim”, em geral, os colegas respondem com algo do tipo: “me desculpe, eu tinha esquecido que isso deixa você com raiva”. Além disso, passei a refletir sobre a minha frustração em relação a essa criança, pois passava horas planejando e construindo as aulas para depois não conseguir coloca-las em ação. Descobri que além de atender minha necessidade de harmonia e ordem, eu precisava atender a minha necessidade de ser criativa e contributiva, as quais estavam sendo negligenciadas pela necessidade de manter o bom comportamento da classe, e também senti que não estava atendendo as necessidades educacionais dos demais alunos. Quando me dei conta de tudo isso (ampliando minha consciência) fui capaz de agir diferente, então quando essa criança apresentava qualquer demonstração de raiva durante a aula eu dizia “preciso que você preste atenção em mim”, ele captava a mensagem e passava a prestar atenção na aula. Eu tive que repetir esse pedido dezenas de vezes, mas o efeito era imediato, dessa forma me livrei daquela sensação de frustração, o que tornou o convívio de todos (alunos, pais e eu) muito mais fluido e positivo.”

Esse depoimento deixa claro que qualquer pessoa pode se comunicar de forma compassiva, basta querer isso de coração. 

Lembre-se:

“Empatia é onde conectamos nossa atenção, nossa consciência, não o que falamos.” – Marshall Rosenberg

Comunicação Não Violenta e Coaching – A CNV a luz das Competências do Coach

“Se é da comunicação humana o ato de falar e ouvir e, se quando o fazemos de coração isso nos liga uns aos outros …” (M. Rosenberg) o Coaching é uma excepcional ferramenta para isso, pois está a serviço de relações mais harmoniosas e consequentemente da promoção da produtividade humana. 

A afirmação acima nos instigou a pesquisar e estudar como o modelo de comunicação defendido pelo Dr. Marshall Rosenberg poderia se conectar a pratica do Coaching, que afinal é um processo de desenvolvimento baseado no diálogo entre coach e coachee quem, por sua vez, demonstra suas mudanças, aprendizados, etc. na interação com pessoas do seu convívio, sendo assim, estabelecer uma comunicação eficaz durante o Coaching é fundamental.

Aprendemos que a linguagem habitual do ser humano possui uma raiz comum, que busca dominação e convencimento uns dos outros, ao invés de focar em estabelecer relações de liberdade, autonomia e responsabilização, como preconiza o Coaching e a ”Comunicação NãoViolenta” – CNV, que surge como uma forma de rever os critérios de interação entre as pessoas, através da atenção aos comportamentos e sentimentos envolvidos na comunicação. 

Esse modelo foi baseado nas ideias de Gandhi e na psicologia humanística de Carl Rogers, apoiando o estabelecimento de relações de parceria e cooperação, em que predomina uma comunicação eficaz com empatia. O Dr. Rosenberg descobriu que esta forma de influência mútua tende a inspirar ações compassivas e solidárias, sendo cada vez mais utilizada por uma rede mundial de mediadores, facilitadores e agentes voluntários, com o objetivo de agir de forma prática e eficaz em favor da paz. 

A CNV vem se consolidando como linguagem intercessora, possibilitando melhor compreensão das palavras, estimulando relações profissionais e pessoais mais harmônicas. O modelo possui quatro fases, onde expressões verbais honestas são pressupostos básicos da comunicação.

  1. Observação: descrição da situação sem julgamentos ou avaliações. 
  2. Sentimento: identificação do que sente em relação ao observado. 
  3. Necessidades: reflexão sobre as necessidades que queremos ver atendidas, ao invés de apontar erros em si ou no outro.
  4. Pedido: verbalização clara, positiva e assertiva sobre o que é preciso para resolver a questão.

Observamos que ao garantir esses quatro passos é possível mudar a qualidade da comunicação, pois a escuta fica mais atenta, a expressão dos sentimentos não apontam erros e a necessidade de ambos fica evidente. 

A conexão entre CNV e Coaching é forte, afinal a comunicação é uma habilidade fundamental a ser dominada pelo coach que, ao se comunicar com o cliente, estabelece as bases e a qualidade da relação. Uma comunicação eficiente apoia o processo e facilita que o coachee amplie a consciência sobre si mesmo, compreendendo como pensa, sente e age. Além disso, o uso da CNV ajuda o coach a ganhar mestria no uso das Competências de Coaching. Em nossos estudos e vivencias percebemos que ao nos expressarmos através dos quatro elementos da CNV nos tornamos mais capazes de receber com empatia e generosidade as demandas que chegam a nós.

O Dr. Rosenberg, através deste modelo de comunicação, nos convida a olhar para dentro (de si mesmo) e para o outro, com um olhar aprimorado, com olhos de compaixão, e no coaching usamos a compaixão quando parafraseamos o que nosso cliente nos diz, buscando confirmação sobre nosso entendimento da questão, ou quando não avaliamos o que é dito usando nosso próprio mapa mental (compreensão intelectual), e sim questionamos o cliente sobre o significado do que ele está dizendo, sentindo, percebendo.

A CNV nos estimula a ouvir com muito mais atenção e presença, criando um ambiente seguro, de apoio que produza respeito e confiança mútuos. Ouvir com empatia exige que a mente esteja vazia, sem sugestões para dar, ou seja, o coach deve sempre ouvir com todo o seu ser, ouvir o que vai além das palavras (comunicação não verbal), ouvir completamente conectado ao outro, ouvir exatamente o que está sendo dito e não seus próprios pensamentos e julgamentos sobre o que está sendo dito, ouvir as emoções que estão presentes. Para isso, ele deve ser capaz de estabelecer confiança e intimidade com seu cliente, de conectar-se com presença integral, escutar ativamentefazer perguntas que revelem informações necessárias em benefício do cliente, de comunicar-se com clareza e objetividade e de criar consciência através da integração de tudo que é dito e sentido pelo coachee, devolvendo para ele sob a forma de feedback. 

Encontramos duas vias de aplicação do modelo, uma é pela possibilidade de fortalecer o uso das Competências de Coaching e a outra pela oportunidade de oferecer ao cliente um método alternativo de comunicação que gera resultados sustentáveis.

Um exemplo real do que estamos dizendo…

A situação descrita abaixo é um recorte de uma sessão de coaching onde a profissional teve que usar intensamente suas Competências de Coaching, pois a cliente estava emocionalmente bastante comprometida para olhar para o fato em si e para ela mesma. A coach estava tão conectada com sua cliente que foi capaz de dedicar tempo suficiente para “limpar” sentimentos e julgamentos que a estavam impedindo de seguir adiante, e para isso utilizou os passos da CNV. Sua escuta se manteve apurada, sem nenhum tipo de julgamento, além de ter que usar de comunicação direta para apoiar a cliente no que ela havia se proposto.

Para sua melhor compreensão é importante dizer que a coachee afirma ser o reconhecimento, um dos seus cinco valores mais importantes na vida.

A coachee diz “… o que quero trabalhar hoje é a relação com o meu chefe, pois ele não me valoriza. Tenho me esforçado tanto e nunca sou reconhecida. …  Sou nova nessa função, ainda estou aprendendo, será que ele não é capaz de entender isso? … Ontem eu fiz um relatório e errei apenas dois dados, mas meu chefe falou sobre os erros com raiva, ele muito bravo e rude. Será que ele não poderia falar comigo de um jeito mais suave, mais compreensivo? Estou me sentindo chateada porque ele não valoriza em nada o que eu faço, só olha para os meus erros …”

Depois da coach explorar a questão usando a CNV, o resultado foi:

Coachee: “… entendi o que está acontecendo, ontem eu fiz um relatório e inclui duas informações erradas. Quando meu chefe percebeu os erros chamou minha atenção porque essas informações são muito importantes para algumas tomadas de decisão e aquele erro poderia acarretar prejuízos para todo o departamento e empresa (fato descrito e limpo de interferências). Eu fiquei chateada (sentimento) porque para mim também é importante ser reconhecida pelo que eu faço de bom e correto (identificação da sua necessidade), por isso vou falar com ele em outros termos, sei que errei e compreendi que isso poderia prejudicar a performance de toda a equipe. Vou falar com ele e dizer que seria muito legal se, daqui para frente, nós pudéssemos conversar sobre meus erros de tal forma que eu entenda o que e porque estou errando e possa aprender com isso, passando a errar menos, o que me levará a contribuir com o sucesso de todos (pedido)”.

Esse exemplo nos mostra os benefícios e a objetividade conseguida com o uso da CNV no coaching.

Concluindo, ousamos dizer que treinar para nos comunicar de forma não violenta em nosso cotidiano é uma das formas de nos ajudar a desenvolver algumas das mais importantes competências essenciais a atividade de coaching, afinal a mestria em nossa atividade decorre de uma comunicação realmente eficaz.

Este artigo é fruto dos estudos realizados pelo Grupo de Estudos da ICF-SP nos anos 2014/2015, com autoria das coaches: Carlla Zanna, Cristina Kokiel, Élida Fagundes, Kátia Gaspar, Valéria Recco Luiz e Wania Troyano e organizado pela coach Carlla Zanna